quarta-feira, 27 de abril de 2016

Grandes vultos: José Bonifácio - Parte 01.

 


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES
JOSÉ BONIFÁCIO – PARTE 01
(1763-1838)
A sã política é feita da Moral e da Razão”
A maior dificuldade que se me apresenta nesta biografia é condensá-la em poucas páginas. Exaustivo trabalho de síntese. Conforme disse Luís de Camões no seu mais admirável poema lírico, não se pode confinar a água do mar num pequeno vaso (Canção X). Ora, José Bonifácio é água do mar – e mar tempestuoso.
Teve o Brasil quatro estadistas peregrinos nos tempos modernos: José Bonifácio, D. Pedro II, Floriano Peixoto e Getúlio Vargas. De todos o maior foi José Bonifácio.
Tão grandes se revelaram esses quatro estadistas que, decorridos longos anos após a morte dos três primeiros (Getúlio é de ontem), ainda encontram detratores furiosos, que os não admitem, que os insultam, que os negam. Só criaturas excepcionais, muito acima da craveira dos homens de mérito vulgar, acendem paixões tão fundas e, aparentemente, tão inexplicáveis.
O Patriarca da Independência nasceu em Santos no dia 13 de junho de 1773 e ali o batizaram como José Antônio. Antônio, por ser dia do santo – o grande taumaturgo português, braço direito de São Francisco de Assis. Logo lhe mudaram, porém, o sobrenome para Bonifácio: o pai era Bonifácio, um tio era Bonifácio, outros Bonifácios existiam na família – e Santo Antônio não iria brigar por tão pouco. Diga-se, já, que faleceu em Niterói, a 6 de abril de 1838. Viveu, portanto 75 anos.
Foram seus pais Bonifácio José de Andrada e D. Maria Bárbara da Silva, gente de teres, de cultura e de família nobre. O avô de José Bonifácio, José Ribeiro de Andrada, chegado ao Brasil nos fins do século XVII, descendia de antigos fidalgos de entre Homem e Cávado – dois rios do norte de Portugal muito citados em costaneiras genealógicas e nos romances de Camilo Castelo Branco. Talvez que a melhor nobreza do Minho e de Trás-os-Montes provenha dali.
Por volta de 1763-1780, Santos era um lugarejo pobre, sem importância. Não teria cinco ruas transitáveis. Cinco? Três! Uns dois mil habitantes, no máximo. O movimento do porto era diminuto.
José Bonifácio de Andrada e Silva aprendeu com o pai, com os tios, e partiu para São Paulo aos 16 anos. Já então cometia sonetos e amava. Afastados do Brasil os jesuítas por ordem do Marques de Pombal, os estudos secundários e superiores ficaram ao desleixo mas, assim mesmo, o rapaz foi atamancando os preparatórios para a Universidade de Coimbra e bateu-se para Portugal onde, depois de prestar exame no Pátio, matriculou-se na Faculdade de Direito a 30 de outubro de 1783. Só regressaria ao Brasil em agosto de 1819. Admitindo-se que haja embarcado em 1782 (talvez antes) e considerando-se o exílio de quase seis anos que sofreu, de 20 de novembro de 1823 (data de sua partida do Rio de Janeiro) a 23 de julho de 1829 (data da chegada), vemos que José Bonifácio, embora falecido aos 75 anos, só viveu cerca de 33 anoa no Brasil. Tantos quantos Jesus Cristo. Se não foi como Jesus, crucificados pelos seus conterrâneos (que lhe devem a Independência e a União Nacional numa época de agitação e incertezas) pouco na realidade faltou para isso. Ainda há alguns anos tive de atirar pela janela afora o livro de um medíocre pimpolho do Itamarati, Heitor Lira, que em sua História de D. Pedro II (Col. Brasiliana, São Paulo) articula contra José Bonifácio as inépcias vomitadas por seus inimigos: Januário da Cunha Barbosa, Gonçalves Ledo, Marquês de Olinda, Marques de Sapucaí, Varnhagen, Calógeras, Euclides da Cunha, etc. Chega a acusá-lo de prevaricador, quase de ladrão: “é hoje sabido que José Bonifácio só consentiu no movimento pela Independência depois que de Portugal lhe suspenderam o pagamento dos empregos que desfrutava sem exercer.” Isto é uma infâmia. Na realidade, em Portugal, José Bonifácio ocupou vários empregos simultaneamente. Entretanto, recebia apenas os magros proventos de inspetor das minas de carvão, professor da Universidade de Coimbra e talvez de mais outro cargo – mas bagatelas que mal lhe davam para viver. Não queria, aliás, ser professor da Universidade. Forçavam-no a aceitar lugares disto e daquilo porque era o maior, decididamente o maior. Inteligentíssimo, cultíssimo, falando e escrevendo correntemente o latim, o grego, o francês, o inglês e o alemão, o Duque de Lafões integrou-o na Academia das Ciências mal o viu formado em Filosofia e Leis. Comissionou-o em seguida o governo de Lisboa para correr a Europa em companhia de Manuel Ferreira Câmara Bethencourt e Sá ( brasileiro) e Joaquim Pedro Fragoso a fim de “adquirirem por meio de viagens literárias e explorações filosóficas os conhecimentos mais perfeitos da Mineralogia e mais partes da Filosofia e História Natural”.
José Bonifácio partiu em junho de 1790 e regressou em setembro de 1800. O dinheiro que lhe pagavam era mesquinho mas os conhecimentos que adquiriu, inestimáveis. Se em Portugal frequentava os meios palacianos, a isso o compeliam a posição, a cultura e o nascimento. Aparentava-se com a maior nobreza do reino – os Linhares, os Bobadela Freire de Andrada, os Marqueses de Montebelo e toda a descendência dos antigos ricos-homens do Minho e de Trás-os-Montes. Contava, na família, nomes ilustres nas letras e nas armas – Diogo de Paiva Andrada, teólogo famoso que representou brilhantemente Portugal no Concílio de Trento; Miguel Leitão de Andrada que se bateu em Alcacer-Kibi e, jovem ainda, conheceu Camões velho e glorioso; Jacinto Freire... Como lhe seria possível isolar-se da Corte e fugir aos encargos que lhe davam – encargos que eram sobretudo honrarias e na sinecuras.
Disse-me um dia o meu saudoso Edmundo Navarro de Andrade (agrônomo paulista formado pela Universidade de Coimbra) que lera em Portugal um trabalho de José Bonifácio verdadeiramente inexcedível sobre a plantação de pinheiros na areia e a fixação das dunas de praias.
– Não se avançou nada, ainda hoje – declarou – sobre aquilo que ele sabia.
Em literatura, seu grande mestre foi Luís de Camões. E a seguir, Filinto Elíseo – também discípulo de Camões. Possuindo o grão poeta quinhentista vastíssima cultura, nada mais natural que José Bonifácio o imitasse instruindo-se, mesmo para o compreender e comentar. Três paixões o dominaram: a das belas mulheres, dos bons livros e da Mineralogia. Mas sobre todas, num plano mais alto, a do amor a Pátria. Ao falecer em 1838, deixou das melhores coleções mineralógicas do mundo organizadas nesse tempo e uma biblioteca de seis mil volumes. Humboldt, que privou com ele, chama-lhe “mestre da ciência”. Vivia em Portugal muito modestamente, sem o menor brilho. Tinha alma de pobre. O Barão Guilherme Luís von Eschwege, que ali o conheceu, descreve-o de jaqueta marrom velha e calças compridas (em vez de calções e meias de seda) e não lhe gaba o paladar. Comia como o povo baixo: sopa de pão, verduras, toucinho, linguiça... Falava rapidamente o alemão, embora com certo sotaque. Baixo, magro (estatura menor que a meã) ,olhos escuros, pequenos e brilhantes, nariz curvo, cabelos pretos, finos e lisos, que uma trança prendia. Vaidoso. Orgulhoso. Língua afiada. Bravo. Não media censuras nem as poupava.
Sua autocrítica nada tinha de benigna. Corram-lhe o Diário de observações e notas sobre as minhas leituras, conversações e passeios. Achava-se duro, seco e de imaginação apagada ao escrever. Muito matter-of-fact. Enunciativo, esquemático.
Gostava de boa conversa, de dar gargalhadas e contar anedotas. Mulheres. Fundamentalmente polígamo. Casara-se com D. Narcisa Emília O'Leary, uma bela senhora de origem irlandesa, mas não a julgava insubstituível. Substituia-a frequentemente – e certa substituição acabou em choro de criança: uma menina que Narcisa acolheu quando ainda de mama e a quem deu o próprio nome. Chamou-se Narcisa Cândida.
Teve José Bonifácio duas filhas legítimas: Carlota Emília (que se casou com Alexandre Antônio Vandelli, auxiliar dele, José Bonifácio, na Intendência Geral das Minas e Metais e na Academia de Ciências) e Gabriela Frederica (que se casou com seu tio Martim Francisco). Não deixou filhos varões. Seu grande amor paterno foi a filha bastarda, nascida quando ele já contava cinquenta e seis anos.
Ser-lhe-ia possível, em 1808, vir para o Brasil com D. João VI. Não quis. Preferiu ficar e lutar contra os franceses, que invadiram Portugal nesse ano sob o comando de Junot; no ano seguinte, sob o comando de Soult; e em 1810, sob o comando de Massena, denominado por Napoleão, “l'enfant chéri de la Victoire”. José Bonifácio viu, antes de alguém no seu tempo – antes de Napoleão, antes de Wellington – que guerra era usina. Assim, contra Junot, lutou fabricando armas, organizando a retaguarda. Em 1809 avança para o combate contra Soult com o posto de major e, logo a seguir, promovido por atos de bravura, como tenente-coronel e comandante. Ignorando absolutamente o perigo, marcha à frente da tropa para dar exemplo. Advertido, despreza os avisos. Tem, afinal, Wellington, de baixar ordem formal para que siga à retaguarda e não comande na primeira linha de fogo – o que nos parece, na verdade inconcebível. José Bonifácio bateu-se sempre com denodo até o fim, até que os últimos soldados de Massena abandonassem o solo português. Valente até ali.
Enquanto os outros fugiam em 1808, ele ficara. Um Andrada não foge – costumava dizer. Mas depois de 1810 queria regressar à terra natal. E isso foi difícil de conseguir. Difícil porque não havia em Portugal gente habilitada. Queriam-no para tudo. Davam-lhe tantos encargos que jamais lhe seria possível exercê-los, tivesse o dia 60 horas em lugar de 24. Escreveu para o Brasil. Meteu Empenhos. Fatigado, D. João VI ordenou que lhe concedessem passaporte para o Rio de Janeiro e ele embarcou numa galera em fins de agosto de 1819.
Gondin da Fonseca
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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Grandes vultos - Tiradentes - Parte III.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES 
   
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER (TIRADENTES)
 
Tiradentes diante da morte
 
O Alferes foi preso no dia 10 de maio de 1789.
 
Em Minas, foi decretada logo a severa ordem de prisão para todos os inconfidentes. De início foi preso o desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o noivo de Marília, cujo casamento era aguardado como o que iria ser o mais belo em Vila Rica. Cláudio Manoel da Costa foi posto numa prisão na Casa dos Contos. Como previa o enforcamento, de conformidade com a rigorosa lei de então, não resistiu e suicidou-se, com grande sentimento para o povo. No Tejuco, depois de muito trabalho, foi preso o padre Rolim, enquanto o comandante das tropas, Francisco de Paula Freire de Andrade saía disfarçadamente para sua fazenda Caldeirão, sendo, porém, detido para ser posto no cárcere aos empurrões. Em S. João del Rei foi detido Alvarenga Peixoto, e na Vila de S. José o padre Carlos Correia de Toledo e Melo. Em breve as prisões se achavam cheias de sonhadores da liberdade, pouco a pouco remetidos para o Rio. Iam com os punhos acorrentados, a cavalo, enquanto os brutos soldados os humilhavam durante os 8 dias de marcha para os cárceres sombrios.
 
Tiradentes, que tinha sido o primeiro detido, foi jogado na prisão, apenas com a roupa do corpo. Depois de alguns meses foi levado à presença dos juízes, interrogado demoradamente, sem nada dizer que comprometesse os companheiros. Os juízes lhe faziam perguntas sobre coisas que só os inconfidentes sabiam; e ele ficava admirado deles saberem tanto sobre os planos do levante. Era que Silvério soprava, dizia, informava, através de bilhetinhos dirigidos ao Vice-rei, tudo o que sabia.
 
Os juízes desesperavam quando viam que o chefe, Tiradentes, nada informava, e excluía da acusação os antigos companheiros. Até que, já na 4ª audiência, mais de um ano depois que se encontrava preso, mandou um dos juízes que entrasse na sala Silvério. Tiradentes ainda sorriu para cumprimentá-lo, mas o infame delator deu-lhe as costas e se pôs a falar para os juízes, acusando todos e sobretudo o Alferes.
 
Tiradentes viu então de onde tudo partia. E enquanto falava Silvério, ele via com tristeza o sonho de independência desfeito; o Brasil continuava explorado por mãos estranhas, o povo sofrendo a opressão da Coroa, sem falar que aos poucos os companheiros se aproximavam da forca.
 
Quando Silvério se retirou, os juízes quiseram que ele tudo confirmasse. Tiradentes ergueu a cabeça e disse:
 
– Não há cabeças nem capatazes. Só eu sou o culpado e foi eu quem idealizou tudo!
 
Os que se encontravam na sala emudeceram, ante tamanha coragem.
 
No entanto, todos os companheiros ouvidos o acusaram de tal forma que só nele caiu a maior culpa. Uns diziam que ele era louco; outros, que era um falador sem nenhum propósito. Ninguém o defendeu.
 
Até que afinal, no dia 18 de abril de 1789 foi lavrada a terrível sentença. Na sala do Oratório da prisão, acorrentados, cerca de dez inconfidentes ouviram a sentença de morte por enforcamento, com esquartejamento a seguir. Lágrimas, blasfêmias, gritos, se seguiam quando o desembargador incumbido de ler a sentença pronunciava o nome do condenado. Já no Campo da Lampadosa se erguia a forca descomunal, a maior que se levantou no Rio. O advogado dos inconfidentes, José de Oliveira Fagundes, trabalhava sem cessar, procurando, através de sucessivas petições, convencer os julgadores de que deveriam perdoar, ou, no máximo, desterrar os inconfidentes, e nunca matá-los. O desespero tomou conta de todos, pois os juízes se mostraram inflexíveis. Quando já estava alta a madrugada do dia 20 de abril, e as tropas se estiravam pelas ruas, no rumo do Campo da Lampadosa, foi que um lampejo de esperança raiou. Os passos do desembargador pareceram mais rápidos e ele trazia um sorriso nos lábios. Entrou na sala e os condenados o cercaram, cheios de temor mas já com alguma esperança. A Rainha mandava que as penas fossem comutadas em degredo para a África!
 
Os gritos, as lágrimas, as saudações se erguiam de todos os lados em louvor à piedosíssima Rainha. Todos caíram de joelhos, erguendo os olhos e os braços, com as faces lavadas de lágrimas de reconhecimento pela mercê que acabavam de receber! Passados alguns anos poderiam voltar ao lar. á Pátria; e aquela inconfidência teria passado como um pesadelo. As correntes iam caindo dos punhos dos condenados, à medida que eram perdoados.
 
Só um condenado permaneceu de pé, com as correntes nos punhos: Tiradentes! Todos se abraçavam, sorriam, choravam. Passado o alvoroço, nem notaram que um companheiro sorria para eles, e os cumprimentava e formulava votos para que vivessem muitos anos.

21 de abril
 
O 21 de abril de 1792 foi um sábado. Muita tropa na rua e muita gente procurando um lugar por onde passaria o condenado em busca da forca. De todos os condenados, só o Alferes seria enforcado. Todo mundo se compadeceu daquela situação e muita gente saiu do Rio.
 
Às 8 horas da manhã, entrou na sala do Oratório o algoz. Trazia enrolada no braço a corda e tinha nas mãos uma longa camisola branca, chamada “alva dos condenados”. O padre confessor, Penaforte, aproximou-se de Tiradentes para ouvi-lo dizer: “padre, se eu tivesse dez vidas, dez eu daria para que os companheiros não sofressem nada”.
 
O negro Capitania, tremulo, se aproximou, e pediu ao condenado que o perdoasse. Tiradentes o encarou e disse: “Meu amigo! Deixa-me beijar teus pés e tuas mãos! És um inocente!”
 
Quando foi pedido que tirasse o paletó, ele tirou também a camisa dizendo: “O meu Salvador morreu também assim, pelos meus pecados!”
 
Tambores rufavam na rua, cavalos com crinas amarradas de fitas coloridas agitavam-se ante as esporas de prata dos cavalos que bradavam vozes de comando.
 
Às 9 horas, pouco mais ou menos, Tiradentes, vestido com o camisolão, pisou o chão da rua, empunhando um crucifixo, tendo a corda passada pela garganta, enquanto o Capitania segurava a ponta. Um meirinho gritava a frente apontando-o e chamando-o de “infame réu” que havia tentado libertar o país do poder da Rainha piedosíssima! “O Alferes caminhava trôpego , pois fazia quase três anos que estava encarcerado. Depois de andar sob um sol abrasador, mais de quilômetro e meio, entrou no triângulo formado por soldados. Rápido subiu as escadas do cadafalso. Um padre recitou um longo sermão, enquanto ele, em voz baixa, pedia que o Capitania acabasse logo o “trabalho”. A seguir o padre convidou o povo para rezar o credo, ouvindo-se clara, sem tremor a voz firme do Alferes.
 
Súbito, um rumor! Tiradentes foi jogado ao espaço enquanto o negro cavalgava seus ombros para rapidamente enforcá-lo. Tambores, vozes enérgicas de comando, brados, rumor enfim foram ouvidos, enchendo toda a praça.
 
A seguir, para ser cumprida a sentença, constatada a morte do condenado, foi erguido seu corpo ao estrado e, à vista do povo, seguiu-se o esquartejamento. Postos os quartos em sacos de couro, foram sendo semeados no caminho de Minas Gerais. A cabeça foi pregada num poste em Vila Rica para que o tempo a consumisse. Todos os bens foram confiscados e vendidos em benefício da Coroa, e considerados infames seus filhos e netos “se os tivesse”.
 
Assim foi desfeito esse belo sonho de liberdade, em virtude da traição de um companheiro.
 
Silvério teve perdoadas as dívidas. Recebeu da Coroa algumas honras; mas jamais pode voltar a Minas Gerais. Morreu alguns anos após roído de bichos.
 
Trinta anos depois da morte de Tiradentes raiou a Liberdade do país, isto é,a 7 de setembro de 1822 o príncipe D. Pedro proclamava a independência.
 
Um poeta disse de Tiradentes:
 
“Tombou! Mas esplenderam num céu azul de glória,
– Escritas com seu sangue – as páginas da História Da Terra da Liberdade por quem ele morria!”

 
Fonte: Forjadores do Mundo Moderno, Editora Fulgor, edição 1968, volume 6, escrito por Luís Wanderley Torres.

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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Grandes vultos - Tiradentes - Parte II.


GRANDES VULTOS BRASILEIROS QUE MARCARAM A HISTÓRIA NAS SUAS MAIS DIVERSAS ATIVIDADES 
   
Momento da prisão de Tiradentes
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER (TIRADENTES) PARTE – II

 
Logo estava Tiradentes de volta à Minas. A todos falava: pelo caminho, pelas estalagens, em todas as oportunidades, sem temer coisa nenhuma.


Essa exaltação logo cairia no ouvido do governador, agora Visconde de Barbacena.

 
A ideia de libertação, aliada à opressão terrível que sofria todo mundo, terminou por aliciar alguns patriotas que comungavam também com as ideias do Alferes. Em S. José morava o padre Carlos Correia de Toledo e Melo (filho de Taubaté), que passou a frequentar Vila Rica e lá conversar sobre essas ideias com o doutor Cláudio Manoel da Costa, grande poeta, solteiro e muito influente. Em São João del Rei, outro poeta, o Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto, esposo da poetisa Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira que muito influenciou o ânimo do marido para entrar na Inconfidência, aderiu com entusiasmo. Luís Vás de Toledo Piza, Sargento Mor, irmão do padre Carlos, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Domingos Vidal Barbosa,José de Resende Costa, pai e filho, e muitos outros,passaram a se reunir em casa do comandante da tropa Francisco de Paula Freire de Andrade, que residia em Vila Rica.

 
Tiradentes também convidou seu amigo Joaquim Silvério dos Reis, que devia muito à Coroa, de impostos atrasados, e não pretendia pagar. Sendo ele muito interesseiro, viu que o movimento daria certo, se todos ficassem empenhados em fazê-lo. Liberto o país, ele, Silvério,estaria livre de dívidas, em troca do serviço prestado à nova república que iria criar. Ficou contente com o plano dos inconfidentes e ofereceu seus 200 escravos para a luta pela libertação.

 
Domingos de Abreu Vieira, compadre de Tiradentes, ofereceu muitos barris de pólvora e o padre José da Silva de Oliveira Rolim levantaria o povo no Tejuco (hoje Diamantina).

 
Em breve eram muitos os patriotas, que se reuniam secretamente na casa do comandante das tropas de Minas, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, que era cunhado de Alvares Maciel.

 
Os planos iniciais foram lançados, sendo o ato principal para o levante, a prisão de Visconde de Barbacena na fazenda Cachoeira, cerca de três léguas de Vila Rica. O Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, grande poeta, que estava para casar com sua Marília (Maria Dorotéia) estava incumbido de redigir, em companhia de Cláudio, as leis da nação que seria fundada. Todos preferiam fosse uma República, em vez de Monarquia. Não haveria escravidão. As mulheres seriam amparadas pelo estado quando tivessem muitos filhos. A Capital da nova República seria transferida para S. João del-Rei e em Vila Rica se fundaria uma Universidade, para que a mocidade universitária não precisasse sair do seu país para instruir-se. As armas da República ostentariam um gênio quebrando uma correntes e gritando: “Libertas quae sera tamen” (Liberdade ainda que tardia) ideia de Alvarenga Peixoto, e a bandeira teria um triângulo, símbolo da Santíssima Trindade, ideia de Tiradentes. A moeda seria a oitava, em ouro, com o valor de 1$500 por oitava. Fábricas de todos os produtos que a terra produzisse seriam fundadas para que o povo não importasse coisas que a própria terra tinha. Além do mais, os braços, nas cidades, seriam ocupados, com grande proveito para o progresso futuro.

 
Aprovados esses planos, Francisco de Paula deu a senha: “tal dia é o batizado”. Os inconfidentes deviam se prevenir com armas e gente, para quando o governador mandasse lançar a derrama, isto é, a cobrança dos atrasados que o povo devia à Coroa. De há muito que as minas se encontravam decadentes, não se conseguindo mais pagar as 100 arrobas anuais. Mas o fisco real não dispensava, e queria as 100 arrobas, atribuindo à negligência na cobrança, ou ao contrabando a não arrecadação daquele montante. A dívida já estava em 596 arrobas (quase 9 mil quilos de ouro) que cerca de 400 mil pessoas deveriam pagar com os bens, vendendo o que pudessem dispor, mesmo que todo mundo ficasse reduzido à miséria.

 
O desembargador Gonzaga ainda explicou ao Intendente da Coroa, que aquela cobrança era desumana, e que se deveria apelar para a Rainha, D. Maria I, clamando por uma anistia.

 
Tudo debalde. Só restava o caminho da Revolução libertária.

 
Tiradentes viu seus planos em marcha e aguardou a senha do seu comandante.

 
Caso falhasse a Revolução, seriam todos presos, julgados, enforcados e aqueles que conseguissem a piedade real, seriam pelo menos desterrados para sempre às costas da África. Quem soubesse, por outro lado, de qualquer plano de independência, tinha o prazo de 30 dias para delatar, sob pena de ser considerado também inconfidente.

 
Estavam as coisas muito bem encaminhadas, quando Tiradentes outra vez seguiu para o Rio. Pelo caminho ia falando “que em breve teriam em Minas novos governadores!” Encontrando uns tropeiros na serra da Mantiqueira, com os burros carregados de sal, bateu ele na anca dos animais e gritou para os condutores: “Vão subindo! Vão subindo, que de muito sal iremos precisar nessas Minas!” Todo mundo se escandalizava com tamanha temeridade, pois estava ele publicamente pregando a independência.

 
Chegando ao Rio, viu que seus requerimentos ainda não haviam sido despachados, e ficou mais de um ano esperando. Enquanto isso, trabalhava na sua profissão e curava com medicina caseira os doentes que lhe procuravam. Assim é que pôs boa a filha da viúva Inácia Gertrudes de Almeida, de uma feia ferida num pé.

 
Enquanto impaciente, esperava, já muito saudoso da sua Vila Rica, em Minas, o seu amigo Joaquim Silvério dos Reis denunciava em muito segredo, ao Visconde, os planos dos Inconfidentes. Estava ele aterrorizado, pois Tiradentes falava muito e sem temor.

 
O primeiro ato do Governador foi suspender a derrama!

 
Isso significava o fracasso do movimento, pois iria deflagrar logo depois da derrama. Os inconfidentes ficaram petrificados! “Alguém denunciou o levante!” Pensaram.


Barbacena imediatamente comunicou-se com o Vice-Rei, no Rio por um portador enviado em segredo. A seguir exigiu que Joaquim Silvério fosse para o Rio e não perdesse de vista seu amigo Tiradentes, para se saber quais os inconfidentes que haviam ali. Silvério desceu lentamente, a cavalo, a estrada, talvez pensando no seu infame papel de delator dos seus companheiros, que certamente iriam morrer na forca, graças à sua denúncia. O país iria continuar escravo, os brasileiros oprimidos, os amigos presos, as famílias órfãs, e só ele, Joaquim Silvério dos Reis, iria ganhar com isso, pois teria as dívidas perdoadas e uma pensão vitalícia pelo serviço prestado, de 400$$ anuais. Não se lembrava que a História o iria apontar para sempre, como o mais covarde, o mais abjeto dos traidores.

 
Quando ele desceu do cavalo, o primeiro abraço que recebeu foi dado por Tiradentes, que, cheio de saudades e abrasado de entusiasmo, perguntava como ia Vila Rica e os amigos! A seguir, muito em surdina: “como vai o movimento nas Gerais?”

 
Silvério foi morar frente a habitação do Alferes, “para melhor observar seus passos” como informou em carta ao Vice-Rei.

 
Com muito disfarce foi visitar o poderoso Luís de Vasconcelos e Sousa (o vice-rei), que de tudo já sabia, graças ao portador enviado pelo Governador de Minas. Mas, mostrou-se surpreso, para dissimular. Despachou dois soldados disfarçados, com bigodes raspados, à paisana e encapotados, para que vigiassem à toda hora Tiradentes. Em todas as esquinas, por todo canto, estavam eles, tanto que o povo começou a temer, pois o Alferes tinha um ardentíssimo gênio e os partiria a espada. Outros, porém, serviçais do Vice-Rei, murmuravam: “Fujam de Tiradentes!” Toda gente se afastava e se escandalizava. Até que um amigo, o Tenente-coronel Sardinha, aconselhou Tiradentes a que fosse ao Vice-Rei reclamar contra a vigilância sem propósito. Mas, diante do Alferes, Luís de Vasconcelos disse que aquilo não era nada e ficasse sossegado.

 
Joaquim José resolveu então esconder-se. E numa noite, quando aquelas sombras perseguidoras o seguiam, ele enganou-as escondendo-se em qualquer ponto escuro, vendo-as passar rápidas e desorientadas, perdendo-se no escuro da noite. Tiradentes então seguiu por outras ruas daquele Rio de Janeiro escuro, até a casa da viúva Gertrudes de Almeida (aquela, cuja filha ele curara). A viúva o encaminhou à rua dos Latoeiros, onde tinha um compadre, Domingos Fernandes Cruz, natural da Vila de Mogi das Cruzes (S. Paulo), que o acolheu na madrugada de 6 de maio de 1789.

 
Dois dias depois, a viúva mandou ao esconderijo de Tiradentes seu sobrinho padre Inácio Nogueira de Lima, saber do que precisava. O Alferes pediu ao padre que procurasse Joaquim Silvério e indagasse dele se a inconfidência já tinha deflagrado em Minas, pois ele queria ir por dentro dos matos até lá.

 
Padre Inácio procurou Silvério, que estava desassossegado, pois o Vice-Rei queria dele que desse conta de Tiradentes sob pena de enforcá-lo. Foi um achado para Silvério aquilo. Padre Inácio deu o recado e Silvério quase não pode conter o contentamento. Pediu o endereço do esconderijo, mas o padre desconfiou e não deu. Silvério reclamou dizendo que era tanto amigo de Tiradentes quanto o padre. Nada conseguiu, no entanto. Como o padre estava acompanhado de outro, Silvério agradeceu o comunicado, mas conservou junto de si esse companheiro do padre Inácio e aproveitou perguntar onde padre Inácio residia. Depois, dirigiu-se rápido ao palácio e em breve estava o padre Nogueira preso e levado ao Vice-Rei. Ouviam-se na rua os gritos de Luís de Vasconcelos, enquanto o padre nada informava. Depois de muita ameaça (até de fogueira) padre Inácio tudo informou. Um sargento e alguns soldados foram despachados e a casa da rua dos Latoeiros foi cercada. O sargento e os soldados subiram na água-furtada do prédio e lá encontraram Tiradentes empunhando um bacamarte, disposto a abater o primeiro que tentasse prendê-lo. Ao ver tratar-se de companheiro de farda, que apenas obedeciam ordens, rendeu-se. Foi levado à presença do Vice-Rei, que logo o reconheceu, sendo a seguir mandado para as masmorras da fortaleza da Ilha das Cobras onde ficou incomunicável. Na mesma fortaleza, mas em cárcere diferente, foi também preso Joaquim Silvério.

 
O sonho de Independência da Pátria estava desfeito.

 
Continua não no próximo post.

 
Fonte: Forjadores do Mundo Moderno, Editora Fulgor, edição 1968, volume 6, escrito por Luís Wanderley Torres 

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